terça-feira, 6 de novembro de 2012

RURALIDADE GLOBAL: - O RETORNO AO LOCAL É POSSÍVEL?


 

Participar num encontro sobre Arquitetura e Turismo, e trazer à colação uma reflexão sobre Património, Identidade e Diferença, numa perspetiva da antropologia social e do espaço é em dúvida um desafio e uma provocação estética, programática e epistemológica sobre a forma como entendemos a programação e a conceptualização da atividade turística no espaço local.

 Património, Identidade e Diferença aparecem-nos como conceitos operativos da intervenção e da programação turística em contextos locais. Uma espécie de ideologia cultural ao serviço de uma patrimonilalização do edificado e das suas estruturas sociais, culturais e etnográficas. Em função de uma fabricação estética dominada pela ideologia do autêntico e do singular. Um singular único e patrimonializado que patrocine uma valorização do lugar e das suas potencialidades comerciais.

 O património é assim um produto e um bem integrado numa lógica de mercado que se pretende explorar e comercializar, isto é, disponibilizar de forma segura, atrativa e interativa ao turista.

Estamos na presença de um conceito de turismo rural que procura na diferenciação e na singularidade das manifestações da cultura material de matriz local, um nicho económico amigo do ambiente e do património. Um turismo que se quer de proximidade, de pequena escala e sustentável na forma e no conceito. Em oposição a um turismo global e de massas, integrado em redes globalizantes, de grande escala que não que serve os interesses locais daqueles que vivendo e trabalhando no mundo local são quase sempre excluídos deste segmento económico – a que damos o nome de atividade turística industrial.

A programação turística em nichos de pequena escala, deve ser desenvolvida e estruturada de forma a evitar impactes negativos no ecossistema, na economia local, na transação dos bens materiais, essencialmente evitando os custos negativos que tem sobre a especulação dos solos e respectivo edificado.

Esta forma de ver, de olhar para o lugar traduz-se numa leitura antropológica dos mesmos, dando-nos a ideia de que os lugares e os espaços estão repletos de significado. Se por um lado o lugar é um espaço onde se desenrola toda a atividade do ator social; por outro lado, o lugar é aquela estrutura significante ao serviço de uma construção cultural do património. Cenários e jogos interativos que possibilitam a criação do produto turístico integrado nas suas próprias relações de mercado. O património é assim integrado num sistema de trocas de bens, de serviços e experiências, não só para os turistas mas também para as comunidades que os recebem. Este processo de dar, de trocar e de receber é muito complexo e pode implicar riscos e perdas, por exemplo, a criação de produtos locais tradicionais para lembranças, ou de festivais, assim, como a natureza que pode ser encarcerada ou transformada tendo em conta os interesses da produção e do consumo turístico endógenos.

Hoje, a atividade turística aproxima-se cada vez mais daquela feliz expressão que Urry (1990) utilizava para classificar o turismo da experiencia do olhar, isto é, a ideia do «olhar turístico atento» para demonstrar o contexto mais amplo das relações sociais que dão forma à produção e ao consumo da experiencia turística (Debbace; Ioannides, 2007).

 Em termos da programação e da conceptualização turística em contextos locais, pensamos que é necessário um olhar critico e amigo do ambiente e do património, de forma a valorizar os contextos, as memórias e as formas dos lugares. Evitando destruições gratuitas, vandalismos criteriosos e justificados pela tecnicidade do conhecimento híper-racionalista ao serviço das modas efémeras e dos mercados selvagens. Evitando as construções ex novas, deslocalizadas, com escalas que esmagam os lugares e criam situações de grande conflitualidade estética, formal e ambiental. Consequentemente, deparamo-nos com uma perda de qualidade social e ambiental destes sítios. É urgente implementar modelos e programas de escala sustentável e ecologicamente amigos das pessoas e das naturezas.

Sobre esta problemática vale apena questionar a partir de alguns conceitos como os de lugar, não-lugar, território, fronteira, limite, globalização, uniformização dos lugares turísticos. A nossa reflexão aponta para uma simplificação do lugar turístico, produto de um  modelo hegemónico de fazer programação turística em contextos de elevada sensibilidade ambiental e cultural. A promoção de lugares e a sua respectiva representação está condicionada pela comercialização turística, isto é, os turistas visitam, consomem, e representam paisagens, lugares e culturas que foram elas também produzidas, apresentadas, e representadas através da dita comercialização do turismo.

A relação entre residentes, visitantes e turistas, que participam na construção das paisagens e dos seus lugares é muito comum nos dias de hoje. Como consequência, é normal ver discursos recentes sobre turismo, a salientarem a interação entre turismo, paisagem, representação e estruturas sociais, experiencias e identidades. Deste modo, torna-se imperativo problematizar a promoção de destinos turísticos e de lugares turísticos, defendendo uma abordagem mais critica e histórica. Pois, a promoção de lugares é encarada quase sempre como uma atividade de marketing dececionante e superficial, embora multifacetada. Este fenómeno contribui para a produção cultural e consumo de paisagens, espaços e sítios. É impressionante o impacto negativo que o atual fenómeno produz nos lugares sujeitos a uma promoção turística e consequente implantação de equipamentos e infra-estruturas, com outra dimensão e outra escala.

Uma primeira aproximação leva-nos a entender que este impacto nos sítios turísticos, inscreve-se primeiro na organização do espaço, e isso implica em entender de que maneira as verticalidades operam no conjunto de sub-espaços, e como a superação das relações horizontais estabelecidas até então, implica uma reconfiguração espacial e ambiental do lugar. Até que ponto a configuração do lugar sofre transformações radicais que possivelmente conduzem a uma nova organização e a uma nova imagem do sitio, mais plástica, mais artificial, mais temática, isto é, a promoção de lugares, conduz a uma noção de Natureza, em função do mundo da ficção, do espetáculo, espartilhando-a num estereotipo. Segundo, Osborne (2000:115) as suas respresentações sugam a matéria histórica das coisas para as embalsamar em mitos. Como resultado dessa aprendizagem vemos pois as paisagens, não como artefactos objectivos e fixos, mas como misturas simbólicas, mutáveis e culturalmente construídas, de representação e forma física. O que as torna um artefacto susceptivel de ser integrado numa lógica turística de promoção de lugares, que passa a apresentar o mundo como uma Imagem, considerando o residente e o turísta como um espectador-viajante imaginário para um Lugar Imaginado (Morgan,2007:205 e ss.).

Neste sentido, estamos perante uma conflitualidade em virtude desta relação entre verticalidades e não-lugares, isto é, os vetores dos espaços dominantes, denominados verticalidades, produzem desordem nos subespaços em que se instalam e a ordem que criam é em seu próprio benefício. Lefebvre (1991) também trata do assunto, quando explica que o espaço dominante, o dos centros de riqueza e poder, se esforçam por moldar e condicionar os espaços dominados, os das periferias (os lugares de fora). Reduzindo as resistências e os obstáculos, através da imagem e do discurso do centro, poderoso nos meios e sedutor na imagem e no discurso que fabrica a partir do património local (ambiental e cultural). Este fenómeno é acompanhado por uma erosão acentuada de perda de identidade local e de autoridade politica porque os instrumentos de gestão e de decisão deslocam-se para o centro. A formação de novos territórios leva ao aparecimento de focos de tensão e de resistência, porque acentuou as noções de limite, de fonteira e margem.

Os limites geram fronteiras e franjas, zonas nebulosas, de transição, de disputa de diversos campos de força, onde ordens de lugares diferentes se entrecruzam, se chocam e produzem imensos ruídos. Aliás, Santos (1993) afirma que a zona de fronteira é uma zona hibrida, babélica, onde os contactos se pulverizam e se ordenam segundo micro-hierarquias pouco susceptiveis de globalização.

2 comentários:

  1. E assim me tornei a seguidora número um deste blogue! Sê bem vindo à blogosfera, Fernando Matos!
    Beijocas!

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