quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ESPAÇO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL





Manuel Carlos Silva (1987) num estudo sobre Camponeses nortenhos: conservadorismo ou estratégias de sobrevivência, mobilidade e resistência? , considera que existe um conjunto diversificado de elementos sócio-económicos e culturais que nos ajudam a compreender e a identificar as estruturas quotidianas do habitar em aldeias agro-pastoris. Em primeiro lugar (1.º) uma relação específica dos camponeses com a natureza e a terra; em segundo (2.º) um determinado poder de disposição sobre as condições de produção (terra, gado, águas, pastos, bosques, etc.); em terceiro lugar (3.º) o trabalho em base familiar, orientado para a reprodução simples; em quarto lugar (4.º) uma tecnologia elementar, formando como que um prolongamento da energia muscular e animal e uma divisão de trabalho rudimentar.

Homens e mulheres, constituem os principais participantes e coordenadores da força de trabalho, mas em que os velhos, as crianças e os adolescentes são indispensaveis, para além da necessária entreajuda de parentes e vizinhos, particularmente no período das sementeiras e das colheitas.

O autor salienta ainda a importância da Casa, enquanto local de conservação e de transmissão do património familiar e deste modo portadora dos direitos e deveres formais, além de constituir-se como esteio principal do processo de socialização.

A função marginal do dinheiro na troca interfamiliar, ou o seu uso como meio de transacção com agentes externos à aldeia. Na aldeia as relações são fortemente personalizadas e estruturadas em função do nome da família que cada membro carrega, positiva ou negativamente.

Sobre esta matéria, Anthony Giddens (1995) As Consequências da Modernidade, explica-nos que na maioria das culturas pré-modernas, mesmo nas grandes civilizações, os homens viam-se geralmente como um prolongamento da Natureza. As suas vidas dependiam dos humores e caprichos da Natureza - da disponibilidade de fontes naturais de alimento, do florescimento, ou não, das colheitas, da pastorícia e do impacte das catástrofes naturais (1995:49 e ss.).

A organização do espaço rural em torno de um lugar (pequeno povoado/aldeia), a partir da qual se estruturam todas as leis sociais, as normas de vida e de organização social e económica. A comunidade de vizinhos estabelece entre si e de acordo comum, uma complexa rede de princípios morais e ético-religiosos, a partir dos quais se constrói a sua arquitectura identitária como povo singular e diferenciado(Fernando Matos Rodrigues, 1997:57 e ss.).

Casamento, herança, nascimento configuram-se nesta complexa e sui generis malha social e patrimonial. Ditando as suas regras e definindo a seu pathos colectivo.

Estas comunidades de camponeses organizam e estruturam a sua pequena sociedade em função de uma concepção social orgânica e funcionalista, tendo na tradição oral e nos costumes os seus suportes. Este fenómeno esta perfeitamente registado na partilha das águas para a rega dos campos e das culturas agrícolas, no uso dos moinhos ou eiras de consortes, dos terrenos baldios/maninhos,etc.

O lugar no espaço rural caracteriza-se pela persistência de uma economia doméstica de subsistência, com fortes ligações à natureza física e geológica do território - a sua estrutura ecológica. Esta realidade ecológica Pina Cabral considera que o mundo das aldeias deverá ser comparado com o mundo das freguezias da zona costeira norte, onde a unidade vicinal mais imediata não é a aldeia mas o lugar - uma associação, mais ou menos dispersa, especialmente das casas que vivem numa porção determinada do território da freguesia. O habitat disperso do Noroeste rural está associado a uma noção da relação da casa com as suas casas vizinhas que a trata como um microcosmos, insistindo fortemente sobre o seu isolamento (1991:106 e ss.).

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Invocação a uma Ruralidade

Este blog "currodavila" pretende ser um espaço de reflexão antropológica sobre os "espaços e as identidades numa ruralidade difusa, deslocalizada", típicas de um tempo e de um modo, onde a globalização se torna cada vez mais uma realidade, que afecta e influencia os espaços locais de matriz rural ou ruralizante.  Este conceito/termo de ruralidade, aplicado a um tempo excessivamente globalizado e para alguns já glocalizado, transformou-se num espaço onde as matrizes originais, próprias de um espaço rural, fechado, auto-suficiente, independente na forma e no verbo, já não fazem parte da nossa realidade pós-contemporânea.


Esta nossa visita ao "Espaço Rural",  ou ao que dele ainda resiste, ao fim de algumas décadas após a publicação da nossa revista "RURALIA"(1987-1995), é uma forma de repensar todo o espaço rural, a partir de um enquadramento epistemológico diferente e perante um paradigma ou modelo em transformação. Sem descurar a actualidade, os seus problemas, que também estiveram na origem do aparecimento desta revista transversal e pós-moderna ao estudo da ruralidade, de forma a compreender para transformar.


Vamos também editar alguns textos que já foram publicados em revistas e livros da nossa autoria, sobre a ruralidade, mais propriamente sobre os temas do espaço, da sociedade, dos poderes, do ordenamento do território, do património e do ambiente. Alguns, serão resumos de conferencias realizadas em congressos, seminários, e jornadas de âmbito cientifico em Portugal e no Estrangeiro.Outros serão resumos das minhas aulas de seminários em Cursos de Pós-Graduação em Universidades Portuguesas e Estrangeiras.


O nosso motivo prende-se com a actual situação de crise económica e financeira que o nosso país vive, a qual não deixara de ter repercussões nas mentalidades e na psicologia colectiva do povo português em geral e no espaço rural em particular. Perante, uma nova onda de pessimismo, de desalento, de abandono destas terras fundas e suculentas em património, em memória e cultura.


Dá-me a entender, que o espaço rural passa por uma profunda crise social, económica que se repercute em todas as estruturas que estruturam a pequena e frágil sociedade rural, localizada e globalizada. Sem duvida, um espaço que sofre as consequências de uma globalização selvagem no modo e na a acção, mas da qual pouco ou muito pouco tem recebido.

O envelhecimento da população, a migração das populações mais jovens, a deslocalização de vários equipamentos (sociais, educativos, económicos, etc.), o empobrecimento da estrutura ambiental e territorial, com uma perda acentuada da biodiversidade, da paisagem, e das memórias de matriz local. Fundamentais a um desenvolvimento sustentado ou sustentável, fundamental para a qualidade de vida e para a coesão social, numa perspectiva inter-geracional.

Que registos, que fenómenos de resistência ainda se podem observar num espaço cada vez mais difuso, subjectivo, polissémico no verbo e substantivo na forma. Contaminado por um conjunto diversificado de fenómenos globalizados e estranhos, que conflituam com a natureza do espaço rural, ou daquilo que ainda vai resistindo.

As culturas tradicionais estão contaminadas por toques de pseudo-modernidade, alteradas na sua função e no seu ethos, agoniam perante um tempo rápido e efémero. Homens, mulheres, velhos e crianças perdidos nesta grande galáxia de consumo, trocam a sua alma pelo cintilante dos bronzes da Europa. Renegando a sua existência, e partilhando um universo de próteses consumistas. O conhecimento, a ciência, a criatividade, a inovação, a tecnologia não fazem parte deste mundo rural que se queria contemporâneo e cosmopolita.