quarta-feira, 14 de novembro de 2012

QUANDO AS CASAS ERAM HOSPEDARIAS...






Qual a importância das metáforas domésticas em torno das identidades e das memórias do passado, enquanto instrumentos fundamentais para o fabrico de uma auto-representação da casa, do grupo doméstico e da linhagem (AUGÉ, 1997; MATOS RODRIGUES, 2011). Expressões, discursos, linguagens, numa palavra códigos simbólicos de representação cultural, fundamentais num relacionamento entre hóspede e anfitrião desde os tempos primordiais que configuram e estruturam as relações sociais e simbólicas da hospitalidade doméstica.
 Existe aqui, uma clara noção de reciprocidade e de troca (MAUSS:1988;MATOS RODRIGUES:1994), que está para além do negócio e do valor de mercado. No fundo, é a construção de um jogo social que faz o apelo a uma cultura da hospitalidade que transcende a ideologia do produto turístico e se integra nos valores da cultura e do património, partilhados sem drama nem mercado.
 De um lado, os anfitriões (hospedeiro), aqueles que dão a hospitalidade e do outro, os hóspedes[3], aqueles que recebem a hospitalidade. Claro que estamos entre uma hospitalidade doméstica e comercial, mas que se quer afirmar como uma hospitalidade cultural com ou sem metáforas domésticas. Sem dúvida, que neste jogo, o desempenho da hospitalidade é frágil e precário. Para LASHLEY (2004: 5 e ss.) a hospitalidade «pode ser concebida como um conjunto de comportamentos originários da própria base da sociedade. A partilha e a troca dos frutos do trabalho, junto com a mutualidade e a reciprocidade, associadas originalmente à caça e à coleta de alimentos, são a essência da organização coletiva e do senso de comunidade. Embora evoluções posteriores possam se preocupar com o medo em relação aos forasteiros e a necessidade de contê-los, a hospitalidade envolve, originalmente, mutualidade e troca e, por meio dessas, sentimentos de altruísmo e beneficência»[4].

 Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa[5], hospitalidade, tem a sua origem etimológica na palavra latina «hospitalitate», significa ato de hospedar, também relaciona-se com a qualidade de hospitaleiro, isto é, do que recebe ou acolhe pessoas de uma forma agradável e afetuosa, por último também nos aparece associada a uma espécie de acolhimento afetuoso. Evidentemente, que a função básica da hospitalidade é estabelecer um relacionamento ou promover um relacionamento, no fundo, é uma espécie de processo de troca de produtos e/ou serviços entre aqueles que dão hospitalidade (os anfitriões) e aqueles que a recebem (os hospedes). Estamos no mundo da partilha, da troca e da oferta; partilha-se casa, memória, património familiar e mesa, tudo isto, integrado num cerimonial que obedece a uma espécie de arqueologia da etiqueta e das boas maneiras.

Tom Selwyn (2004: 26 e ss.) fala-nos sobre a organização estrutural da hospitalidade, a partir de uma visão antropológica, ilustrando este propósito com exemplos etnográficos e observações acerca das estruturas social, ritual e cognitiva. O autor sobre as estruturas e as funções da hospitalidade considera que a hospitalidade transforma: estranhos em conhecidos, inimigos em amigos, amigos em melhores amigos, forasteiros em pessoas íntimas, não-parentes em parentes. Esses princípios ganham expressão em descrições etnográficas de uma grande variedade de sistemas sociais. Selwyn dá como exemplo a festa e a sua relação com a hospitalidade, fenómenos sociais totais que contribuem para consolidar vínculos entre os grupos de parentesco, e os turistas com quem estabelecem uma relação muito própria de partilha[6]. Aliás, nos contactos com as Casas de Turismo, e quando questionados sobre as vantagens deste tipo de Turismo de Habitação, a primeira coisa que salta é a ideia de que existe uma vantagem hospedar famílias neste tipo de oferta turística, pela possibilidade de se criarem e consolidarem novas redes de amizade e de partilha.

O hóspede tem deste modo um estatuto especial, de maior relevância dentro da Casa que o recebe e com a qual interage, partilhando saberes, afetos, memórias e vivências. Em resumo, não é um turista, mas um hóspede. Lembro a visita a uma destas casas de turismo e a senhora da casa, nos afirmar que era muito ingrato receber os turistas que se tinham perdido durante o trajeto Porto – Baião – Douro. E chegavam à casa às tantas da madrugada. Situação demonstrativa que a relação entre as Casas de Turismo e os Grandes Hotéis é bem diferenciado no tratamento personalizado e intimista das casas de turismo rural. O autor faz referências aos trabalhos de Evans-Pritchard (1940), de Gellner e Waternury (1977) e de Brown (1980) sobre a natureza e a importância da hospitalidade e da festa na organização das estruturas do parentesco dos povos da Nova Guiné, da Amazônia, e do Nordeste da Africa. Nestes casos, a festa e a hospitalidade expressam, consolidam e / ou estabelecem vínculos entre os grupos de parentesco, e são parte integrante dos processos de desenhar e redesenhar os parâmetros das alianças entre tais grupos.

Ainda sobre a hospitalidade e suas funções e representações simbólicas, Selwyn (2004: 29) cita Heal para nos dar a conhecer os cinco princípios que têm orientado a hospitalidade inglesa. E dos quais salientamos os seguintes: i.º)a ideia de que o relacionamento entre anfitrião e hóspede é um relacionamento que se baseia na natureza da vida social; ii.º) a natureza sagrada do hóspede, fazendo alusões à honra e ao status que um hóspede pode trazer para o hospedeiro; iii.º) a ideia de que a hospitalidade é nobre; iv.º) a ideia de que existe um altruísmo na hospitalidade o que lhe confere um grau de excecionalidade; e por fim o v.º) a hospitalidade e os relacionamentos por ela criados são tão importantes como aqueles que são produzidos pelo mercado. O autor faz breves referências à hospitalidade como dever moral, integrando-a na tradição judaico-cristã, salientando a importância do tema nos sermões a partir do século XVII. A parenética vai buscar essa fundamentação e valorização às origens com a citação de passagens quer do Antigo e Novo Testamento. Por exemplo, no Êxodo (22:21): “Não maltratarás o estrangeiro”, como uma das origens bíblicas da hospitalidade. Podemos assinalar várias referências bíblicas à hospitalidade no Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Juízes, Livro de Jó; e no Novo Testamento, mais propriamente nos Livros: Atos dos Apóstolos e Epístola aos Romanos. Ao longo dos tempos a hospitalidade foi sendo associada à partilha de alojamento, mas também à partilha de alimentos e acolhimento, e onde a hospitalidade aparece associada aos valores da honra e do status, ao carácter quase sagrado do hóspede e do anfitrião.

Em relação ao acolhimento e dever de dar hospitalidade, na Regra de S. Bento, mais propriamente no Capítulo LII: Do Acolhimento dos hóspedes, considera-se que “todos os hóspedes que se apresentam (no Mosteiro) sejam recebidos como se fosse o próprio Cristo, pois Ele dirá (um dia): fui hóspede, e recebeste-me”. Estamos numa visão cristã que vê os hóspedes à imagem do próprio Cristo. Mais, no capitulo LXI. Como se devem receber os monges estranhos, a regra explica de forma muito simples e imediata que todo aquele que vem por bem será bem recebido e pelo tempo que o desejar[7]. Até que ponto estas práticas e ensinamentos se foram difundindo pela sociedade e pela cultura até aos nossos dias. Uma coisa é certa que a hospitalidade ainda é hoje, um momento de exaltação de valores culturais e sociais, que associam partilha, convivialidade, fraternidade entre aqueles que chegam e aqueles que recebem os seus hóspedes nas suas casas de turismo. Geralmente, aqueles que concedem hospitalidade, isto é, os anfitriões, fazem questão de dar e de partilhar com os seus hóspedes tudo aquilo que faz parte do sustento da sua família e da sua casa.

A casa transforma-se numa espécie de santuário, onde se deve zelar pela segurança e bem-estar do hóspede. Num contexto de informalidade e sociabilidade a Casa de Turismo, classifica e categoriza o turista como um hóspede que deve ser bem tratado e integrado de forma autêntica na estrutura familiar que dá hospedagem a quem chega. Evidentemente, que aqui levanta-se a questão, se todas as Casas de Turismo de Habitação se integram e enquadram nesta filosofia de hospitalidade. De acordo com o nosso estudo na região nem todas estão nesta situação, e nem todas se integram numa hospitalidade de partilha e de comunhão. Infelizmente, em algumas pondera o lado comercial e económico da atividade turística, onde a hospitalidade é uma espécie de cosmética e de eufemismo publicitário. Onde as relações entre hospedeiro e hóspede são essencialmente comerciais e distantes, próprias de um hospedeiro comercial que presta um serviço em troca de um valor que é cobrado e pago pelo turista. O problema é que a hospitalidade Industrial desenvolve-se num local que não é um lar (uma Casa de Família), e os convidados não são escolhidos e eles próprios não procuram um ambiente familiar, restrito, intimista e ruralizante. Estes turistas valorizam as megas estruturas turísticas, anónimas e globalizantes, onde o turista é uma entidade sem rosto e sem nome.

Na região do Douro a questão coloca-se pelo facto de alguma da oferta turística de nicho de pequena escala (Turismo de Habitação) não valorizar a hospitalidade em contextos de casa, família e comunidade, onde o hóspede é integrado numa espécie de contentor da felicidade, partilhando o mesmo espaço e as mesmas memórias com o anfitrião e respectiva família. Algumas Casas de Turismo, são uma espécie de contentores de cosmética, onde a colagem e o fachadismo pretendem reconstruir um ambiente de casa familiar, através de uma manipulação de memórias fabricadas pela engenharia turística, que idealiza parques temáticos em analogia com os Solares Familiares de antanho.

A atividade turística é assim, uma arte de enganar, com a construção de espaços performativos que pretendem conduzir o turista / hóspede para um tempo que é ele em si uma fabricação temática de ilusão e de sonho. Numa plasticidade estética redutora e massificante na forma e no conteúdo. Claro que aqui, também se tem como principal objetivo atender bem os seus hóspedes, denotando-se um interesse pela autêntica felicidade, cobrando um preço razoável e justo, simulando uma interação social onde as relações se querem de amizade entre hospedeiro e hóspede. No fundo é esta a essência do produto turístico, dar e simular um mundo onde é possível a felicidade, por muito efémera que ela seja, no tempo e no espaço. Num contexto diferenciado, mas não estranho ao tema do turismo em Casas de Família, apetece-nos citar Bachelard[8] sobre as topologias da felicidade, aplicadas aqui, ao nicho turístico de matriz rural ou ecológica. Essa procura pelo mundo da efabulação da casa útero, que abriga e protege[9]. 



[1] Hospedagem, segundo o Dicionário da Língua Portugesa, é o ato ou efeito de hospedar ou hospedar-se; casa que recebe hóspedes, mediante pagamento; hospedaria; bom acolhimento; hospitalidade (De hospedar+agem).
[2] Segundo Manuel Delgado em El Espacio Público Como Ideología. Madrid, Catarata, 2011, págs. 58 e ss., a perspectiva interaccionista – como também acontece com a etnometodologia, as teorias da conversação e outras variáveis como o construccionismo cognitivista – trabalham a partir de um pressuposto troncal que outorga aos intervenientes em cada encontro a capacidade de determinar ou tentar determinar o curso da mesma ação e o que porventura possa acontecer. Claro que esta perspectiva não nega a importância de alguns determinantes estruturais, tais como os que derivam da classe, da raça e do género, ou de qualquer outra forma de jerarquização social -, que tenham um papel importante nas transações comunicacionais. Os interaccionistas vão permitir distinguir entre contexto estrutural e contexto negocial. Manuel Delgado (op. cit., 2011, 59) afirma que «El contexto estructural pesa sobre el de la negociación, pero éste remite a condiciones y proppropriedades que son específicas de la própria interacción y que intervienen decisivamente en su desarrollo. Es tal distinción la que Goffman no reconocería como pertinente, puesto que la autonomia de la interacción respecto de la estructura social en que se produce es una pura ficción, en tanto presume una improbable capacidade de los seres humanos  para superar o incluso vencer las constricciones ambientales que les determinan, desde las que han ingressado en la interacción y que la han definido, y que pueden ocultar o dissimular, pero que en ningún momento les abandonan. En efecto, para Goffman, en cada negociación los indivíduos trasladan y encarnan los discursos y los esquemas de actuación próprios del lugar del organigrama social desde el que y al servicio del cual gestionan a cada momento su presentación ante los demás. No contexto de turismo de habitação, o hóspede estabelece com o anfitrião uma interacção ou jogo de partilha e de afirmação de identidades singulares em contexto de negociação permanente, o que lhes faculta ( ao hóspede e aos anfitrião) a possibilidade de uma boa convivência. Superando desta forma as barreiras estigmatizantes entre o estranho que invade um lugar de destino transitório e de forte plasticidade: tradição, glamour e recriação. Sobre as questões do espaço social estruturado Bourdieu (1991:241) considera por exemplo que não existem sociedades anónimas, isto é, formas de vinculo social cujos componentes humanos sejam totalmente estranhos uns aos outros.   
[3] Hóspede, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, pessoa que se aloja temporariamente em casa alheia ou em hospedaria; estrangeiro que viaja num país; peregrino, do latim hospite.
[4] Cfr. Conrad LASHLEY (2004) “Para um entendimento teórico” in Em Busca da Hospitalidade. Perspectivas Para Um Mundo Globalizado (Conrad LASHLEY; Alison MORRISON, Orgs.). S. Paulo, Manole, 1-24.
[5] Cfr. Dicionário da Língua Portuguesa. Porto, Porto Editora, 2008:905.
[6] Cfr. Tom SELWYN (2004) “Uma antropologia da hospitalidade” in EM BUSCA DA HOSPITALIDADE. PERSPECTIVAS PARA UM MUNDO GLOBALIZADO ( Conrad LASHLEY; Alison MORRISON, Coord.). São Paulo, Edições Manole, pp.25 – 52.
[7] Por exemplo «Se um monge estranho, vindo de regiões longínquas, se apresentar no mosteiro e nele quiser habitar como hóspede, se está satisfeito com o modo de viver que nele encontra e não perturba o mosteiro com as suas exigências, antes, nele se depara, seja recebido pelo tempo que quiser»; bem como no Capitulo LII, a mesma regra considera e determina que «Diante de todos os hóspedes, tanto à chegada como à partida, inclinem a cabeça e, postrado todo o corpo por terra, neles adorem a Cristo que na pessoa deles é recebido. O superior quebre o jejum, em atenção ao hóspede, excepto se for dia de jejum dos principais, que se não possa quebrar. O abade deite água às mãos dos hóspedes. E, tanto ele como toda a comunidade, a todos lavem os pés». Assim, a hospitalidade monástica prefigura-se uma hospitalidade que se encontra entre duas categorias: a hospitalidade privada e comercial, sem escamotear a sua generosidade cristã. Onde o anfitrião era uma instituição religiosa e não uma pessoa singular.
[8] Cfr. Gaston BACHELARD (1989) A Poética do Espaço. S. Paulo, Martins Fontes Editora.
[9] Ver também Fernando Matos RODRIGUES (2011) Antropologia do Espaço Doméstico. Um Estudo de Caso. Porto, Edições Afrontamento. Sobre as redes socioantropologicas das casas e familias da Vila de Arouca.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

RURALIDADE GLOBAL: - O RETORNO AO LOCAL É POSSÍVEL?


 


Participar num encontro sobre Arquitetura e Turismo, e trazer à colação uma reflexão sobre Património, Identidade e Diferença, numa perspetiva da antropologia social e do espaço é em dúvida um desafio e uma provocação estética, programática e epistemológica sobre a forma como entendemos a programação e a conceptualização da atividade turística no espaço local.

 Património, Identidade e Diferença aparecem-nos como conceitos operativos da intervenção e da programação turística em contextos locais. Uma espécie de ideologia cultural ao serviço de uma patrimonilalização do edificado e das suas estruturas sociais, culturais e etnográficas. Em função de uma fabricação estética dominada pela ideologia do autêntico e do singular. Um singular único e patrimonializado que patrocine uma valorização do lugar e das suas potencialidades comerciais.

 O património é assim um produto e um bem integrado numa lógica de mercado que se pretende explorar e comercializar, isto é, disponibilizar de forma segura, atrativa e interativa ao turista.

Estamos na presença de um conceito de turismo rural que procura na diferenciação e na singularidade das manifestações da cultura material de matriz local, um nicho económico amigo do ambiente e do património. Um turismo que se quer de proximidade, de pequena escala e sustentável na forma e no conceito. Em oposição a um turismo global e de massas, integrado em redes globalizantes, de grande escala que não que serve os interesses locais daqueles que vivendo e trabalhando no mundo local são quase sempre excluídos deste segmento económico – a que damos o nome de atividade turística industrial.

A programação turística em nichos de pequena escala, deve ser desenvolvida e estruturada de forma a evitar impactes negativos no ecossistema, na economia local, na transação dos bens materiais, essencialmente evitando os custos negativos que tem sobre a especulação dos solos e respectivo edificado.

Esta forma de ver, de olhar para o lugar traduz-se numa leitura antropológica dos mesmos, dando-nos a ideia de que os lugares e os espaços estão repletos de significado. Se por um lado o lugar é um espaço onde se desenrola toda a atividade do ator social; por outro lado, o lugar é aquela estrutura significante ao serviço de uma construção cultural do património. Cenários e jogos interativos que possibilitam a criação do produto turístico integrado nas suas próprias relações de mercado. O património é assim integrado num sistema de trocas de bens, de serviços e experiências, não só para os turistas mas também para as comunidades que os recebem. Este processo de dar, de trocar e de receber é muito complexo e pode implicar riscos e perdas, por exemplo, a criação de produtos locais tradicionais para lembranças, ou de festivais, assim, como a natureza que pode ser encarcerada ou transformada tendo em conta os interesses da produção e do consumo turístico endógenos.

Hoje, a atividade turística aproxima-se cada vez mais daquela feliz expressão que Urry (1990) utilizava para classificar o turismo da experiencia do olhar, isto é, a ideia do «olhar turístico atento» para demonstrar o contexto mais amplo das relações sociais que dão forma à produção e ao consumo da experiencia turística (Debbace; Ioannides, 2007).

 Em termos da programação e da conceptualização turística em contextos locais, pensamos que é necessário um olhar critico e amigo do ambiente e do património, de forma a valorizar os contextos, as memórias e as formas dos lugares. Evitando destruições gratuitas, vandalismos criteriosos e justificados pela tecnicidade do conhecimento híper-racionalista ao serviço das modas efémeras e dos mercados selvagens. Evitando as construções ex novas, deslocalizadas, com escalas que esmagam os lugares e criam situações de grande conflitualidade estética, formal e ambiental. Consequentemente, deparamo-nos com uma perda de qualidade social e ambiental destes sítios. É urgente implementar modelos e programas de escala sustentável e ecologicamente amigos das pessoas e das naturezas.

Sobre esta problemática vale apena questionar a partir de alguns conceitos como os de lugar, não-lugar, território, fronteira, limite, globalização, uniformização dos lugares turísticos. A nossa reflexão aponta para uma simplificação do lugar turístico, produto de um  modelo hegemónico de fazer programação turística em contextos de elevada sensibilidade ambiental e cultural. A promoção de lugares e a sua respectiva representação está condicionada pela comercialização turística, isto é, os turistas visitam, consomem, e representam paisagens, lugares e culturas que foram elas também produzidas, apresentadas, e representadas através da dita comercialização do turismo.

A relação entre residentes, visitantes e turistas, que participam na construção das paisagens e dos seus lugares é muito comum nos dias de hoje. Como consequência, é normal ver discursos recentes sobre turismo, a salientarem a interação entre turismo, paisagem, representação e estruturas sociais, experiencias e identidades. Deste modo, torna-se imperativo problematizar a promoção de destinos turísticos e de lugares turísticos, defendendo uma abordagem mais critica e histórica. Pois, a promoção de lugares é encarada quase sempre como uma atividade de marketing dececionante e superficial, embora multifacetada. Este fenómeno contribui para a produção cultural e consumo de paisagens, espaços e sítios. É impressionante o impacto negativo que o atual fenómeno produz nos lugares sujeitos a uma promoção turística e consequente implantação de equipamentos e infra-estruturas, com outra dimensão e outra escala.

Uma primeira aproximação leva-nos a entender que este impacto nos sítios turísticos, inscreve-se primeiro na organização do espaço, e isso implica em entender de que maneira as verticalidades operam no conjunto de sub-espaços, e como a superação das relações horizontais estabelecidas até então, implica uma reconfiguração espacial e ambiental do lugar. Até que ponto a configuração do lugar sofre transformações radicais que possivelmente conduzem a uma nova organização e a uma nova imagem do sitio, mais plástica, mais artificial, mais temática, isto é, a promoção de lugares, conduz a uma noção de Natureza, em função do mundo da ficção, do espetáculo, espartilhando-a num estereotipo. Segundo, Osborne (2000:115) as suas respresentações sugam a matéria histórica das coisas para as embalsamar em mitos. Como resultado dessa aprendizagem vemos pois as paisagens, não como artefactos objectivos e fixos, mas como misturas simbólicas, mutáveis e culturalmente construídas, de representação e forma física. O que as torna um artefacto susceptivel de ser integrado numa lógica turística de promoção de lugares, que passa a apresentar o mundo como uma Imagem, considerando o residente e o turísta como um espectador-viajante imaginário para um Lugar Imaginado (Morgan,2007:205 e ss.).

Neste sentido, estamos perante uma conflitualidade em virtude desta relação entre verticalidades e não-lugares, isto é, os vetores dos espaços dominantes, denominados verticalidades, produzem desordem nos subespaços em que se instalam e a ordem que criam é em seu próprio benefício. Lefebvre (1991) também trata do assunto, quando explica que o espaço dominante, o dos centros de riqueza e poder, se esforçam por moldar e condicionar os espaços dominados, os das periferias (os lugares de fora). Reduzindo as resistências e os obstáculos, através da imagem e do discurso do centro, poderoso nos meios e sedutor na imagem e no discurso que fabrica a partir do património local (ambiental e cultural). Este fenómeno é acompanhado por uma erosão acentuada de perda de identidade local e de autoridade politica porque os instrumentos de gestão e de decisão deslocam-se para o centro. A formação de novos territórios leva ao aparecimento de focos de tensão e de resistência, porque acentuou as noções de limite, de fonteira e margem.

Os limites geram fronteiras e franjas, zonas nebulosas, de transição, de disputa de diversos campos de força, onde ordens de lugares diferentes se entrecruzam, se chocam e produzem imensos ruídos. Aliás, Santos (1993) afirma que a zona de fronteira é uma zona hibrida, babélica, onde os contactos se pulverizam e se ordenam segundo micro-hierarquias pouco susceptiveis de globalização.

RURALIDADE GLOBAL: - O RETORNO AO LOCAL É POSSÍVEL?


 

Participar num encontro sobre Arquitetura e Turismo, e trazer à colação uma reflexão sobre Património, Identidade e Diferença, numa perspetiva da antropologia social e do espaço é em dúvida um desafio e uma provocação estética, programática e epistemológica sobre a forma como entendemos a programação e a conceptualização da atividade turística no espaço local.

 Património, Identidade e Diferença aparecem-nos como conceitos operativos da intervenção e da programação turística em contextos locais. Uma espécie de ideologia cultural ao serviço de uma patrimonilalização do edificado e das suas estruturas sociais, culturais e etnográficas. Em função de uma fabricação estética dominada pela ideologia do autêntico e do singular. Um singular único e patrimonializado que patrocine uma valorização do lugar e das suas potencialidades comerciais.

 O património é assim um produto e um bem integrado numa lógica de mercado que se pretende explorar e comercializar, isto é, disponibilizar de forma segura, atrativa e interativa ao turista.

Estamos na presença de um conceito de turismo rural que procura na diferenciação e na singularidade das manifestações da cultura material de matriz local, um nicho económico amigo do ambiente e do património. Um turismo que se quer de proximidade, de pequena escala e sustentável na forma e no conceito. Em oposição a um turismo global e de massas, integrado em redes globalizantes, de grande escala que não que serve os interesses locais daqueles que vivendo e trabalhando no mundo local são quase sempre excluídos deste segmento económico – a que damos o nome de atividade turística industrial.

A programação turística em nichos de pequena escala, deve ser desenvolvida e estruturada de forma a evitar impactes negativos no ecossistema, na economia local, na transação dos bens materiais, essencialmente evitando os custos negativos que tem sobre a especulação dos solos e respectivo edificado.

Esta forma de ver, de olhar para o lugar traduz-se numa leitura antropológica dos mesmos, dando-nos a ideia de que os lugares e os espaços estão repletos de significado. Se por um lado o lugar é um espaço onde se desenrola toda a atividade do ator social; por outro lado, o lugar é aquela estrutura significante ao serviço de uma construção cultural do património. Cenários e jogos interativos que possibilitam a criação do produto turístico integrado nas suas próprias relações de mercado. O património é assim integrado num sistema de trocas de bens, de serviços e experiências, não só para os turistas mas também para as comunidades que os recebem. Este processo de dar, de trocar e de receber é muito complexo e pode implicar riscos e perdas, por exemplo, a criação de produtos locais tradicionais para lembranças, ou de festivais, assim, como a natureza que pode ser encarcerada ou transformada tendo em conta os interesses da produção e do consumo turístico endógenos.

Hoje, a atividade turística aproxima-se cada vez mais daquela feliz expressão que Urry (1990) utilizava para classificar o turismo da experiencia do olhar, isto é, a ideia do «olhar turístico atento» para demonstrar o contexto mais amplo das relações sociais que dão forma à produção e ao consumo da experiencia turística (Debbace; Ioannides, 2007).

 Em termos da programação e da conceptualização turística em contextos locais, pensamos que é necessário um olhar critico e amigo do ambiente e do património, de forma a valorizar os contextos, as memórias e as formas dos lugares. Evitando destruições gratuitas, vandalismos criteriosos e justificados pela tecnicidade do conhecimento híper-racionalista ao serviço das modas efémeras e dos mercados selvagens. Evitando as construções ex novas, deslocalizadas, com escalas que esmagam os lugares e criam situações de grande conflitualidade estética, formal e ambiental. Consequentemente, deparamo-nos com uma perda de qualidade social e ambiental destes sítios. É urgente implementar modelos e programas de escala sustentável e ecologicamente amigos das pessoas e das naturezas.

Sobre esta problemática vale apena questionar a partir de alguns conceitos como os de lugar, não-lugar, território, fronteira, limite, globalização, uniformização dos lugares turísticos. A nossa reflexão aponta para uma simplificação do lugar turístico, produto de um  modelo hegemónico de fazer programação turística em contextos de elevada sensibilidade ambiental e cultural. A promoção de lugares e a sua respectiva representação está condicionada pela comercialização turística, isto é, os turistas visitam, consomem, e representam paisagens, lugares e culturas que foram elas também produzidas, apresentadas, e representadas através da dita comercialização do turismo.

A relação entre residentes, visitantes e turistas, que participam na construção das paisagens e dos seus lugares é muito comum nos dias de hoje. Como consequência, é normal ver discursos recentes sobre turismo, a salientarem a interação entre turismo, paisagem, representação e estruturas sociais, experiencias e identidades. Deste modo, torna-se imperativo problematizar a promoção de destinos turísticos e de lugares turísticos, defendendo uma abordagem mais critica e histórica. Pois, a promoção de lugares é encarada quase sempre como uma atividade de marketing dececionante e superficial, embora multifacetada. Este fenómeno contribui para a produção cultural e consumo de paisagens, espaços e sítios. É impressionante o impacto negativo que o atual fenómeno produz nos lugares sujeitos a uma promoção turística e consequente implantação de equipamentos e infra-estruturas, com outra dimensão e outra escala.

Uma primeira aproximação leva-nos a entender que este impacto nos sítios turísticos, inscreve-se primeiro na organização do espaço, e isso implica em entender de que maneira as verticalidades operam no conjunto de sub-espaços, e como a superação das relações horizontais estabelecidas até então, implica uma reconfiguração espacial e ambiental do lugar. Até que ponto a configuração do lugar sofre transformações radicais que possivelmente conduzem a uma nova organização e a uma nova imagem do sitio, mais plástica, mais artificial, mais temática, isto é, a promoção de lugares, conduz a uma noção de Natureza, em função do mundo da ficção, do espetáculo, espartilhando-a num estereotipo. Segundo, Osborne (2000:115) as suas respresentações sugam a matéria histórica das coisas para as embalsamar em mitos. Como resultado dessa aprendizagem vemos pois as paisagens, não como artefactos objectivos e fixos, mas como misturas simbólicas, mutáveis e culturalmente construídas, de representação e forma física. O que as torna um artefacto susceptivel de ser integrado numa lógica turística de promoção de lugares, que passa a apresentar o mundo como uma Imagem, considerando o residente e o turísta como um espectador-viajante imaginário para um Lugar Imaginado (Morgan,2007:205 e ss.).

Neste sentido, estamos perante uma conflitualidade em virtude desta relação entre verticalidades e não-lugares, isto é, os vetores dos espaços dominantes, denominados verticalidades, produzem desordem nos subespaços em que se instalam e a ordem que criam é em seu próprio benefício. Lefebvre (1991) também trata do assunto, quando explica que o espaço dominante, o dos centros de riqueza e poder, se esforçam por moldar e condicionar os espaços dominados, os das periferias (os lugares de fora). Reduzindo as resistências e os obstáculos, através da imagem e do discurso do centro, poderoso nos meios e sedutor na imagem e no discurso que fabrica a partir do património local (ambiental e cultural). Este fenómeno é acompanhado por uma erosão acentuada de perda de identidade local e de autoridade politica porque os instrumentos de gestão e de decisão deslocam-se para o centro. A formação de novos territórios leva ao aparecimento de focos de tensão e de resistência, porque acentuou as noções de limite, de fonteira e margem.

Os limites geram fronteiras e franjas, zonas nebulosas, de transição, de disputa de diversos campos de força, onde ordens de lugares diferentes se entrecruzam, se chocam e produzem imensos ruídos. Aliás, Santos (1993) afirma que a zona de fronteira é uma zona hibrida, babélica, onde os contactos se pulverizam e se ordenam segundo micro-hierarquias pouco susceptiveis de globalização.

RURALIDADE GLOBAL: - O RETORNO AO LOCAL É POSSÍVEL?


 

Participar num encontro sobre Arquitetura e Turismo, e trazer à colação uma reflexão sobre Património, Identidade e Diferença, numa perspetiva da antropologia social e do espaço é em dúvida um desafio e uma provocação estética, programática e epistemológica sobre a forma como entendemos a programação e a conceptualização da atividade turística no espaço local.

 Património, Identidade e Diferença aparecem-nos como conceitos operativos da intervenção e da programação turística em contextos locais. Uma espécie de ideologia cultural ao serviço de uma patrimonilalização do edificado e das suas estruturas sociais, culturais e etnográficas. Em função de uma fabricação estética dominada pela ideologia do autêntico e do singular. Um singular único e patrimonializado que patrocine uma valorização do lugar e das suas potencialidades comerciais.

 O património é assim um produto e um bem integrado numa lógica de mercado que se pretende explorar e comercializar, isto é, disponibilizar de forma segura, atrativa e interativa ao turista.

Estamos na presença de um conceito de turismo rural que procura na diferenciação e na singularidade das manifestações da cultura material de matriz local, um nicho económico amigo do ambiente e do património. Um turismo que se quer de proximidade, de pequena escala e sustentável na forma e no conceito. Em oposição a um turismo global e de massas, integrado em redes globalizantes, de grande escala que não que serve os interesses locais daqueles que vivendo e trabalhando no mundo local são quase sempre excluídos deste segmento económico – a que damos o nome de atividade turística industrial.

A programação turística em nichos de pequena escala, deve ser desenvolvida e estruturada de forma a evitar impactes negativos no ecossistema, na economia local, na transação dos bens materiais, essencialmente evitando os custos negativos que tem sobre a especulação dos solos e respectivo edificado.

Esta forma de ver, de olhar para o lugar traduz-se numa leitura antropológica dos mesmos, dando-nos a ideia de que os lugares e os espaços estão repletos de significado. Se por um lado o lugar é um espaço onde se desenrola toda a atividade do ator social; por outro lado, o lugar é aquela estrutura significante ao serviço de uma construção cultural do património. Cenários e jogos interativos que possibilitam a criação do produto turístico integrado nas suas próprias relações de mercado. O património é assim integrado num sistema de trocas de bens, de serviços e experiências, não só para os turistas mas também para as comunidades que os recebem. Este processo de dar, de trocar e de receber é muito complexo e pode implicar riscos e perdas, por exemplo, a criação de produtos locais tradicionais para lembranças, ou de festivais, assim, como a natureza que pode ser encarcerada ou transformada tendo em conta os interesses da produção e do consumo turístico endógenos.

Hoje, a atividade turística aproxima-se cada vez mais daquela feliz expressão que Urry (1990) utilizava para classificar o turismo da experiencia do olhar, isto é, a ideia do «olhar turístico atento» para demonstrar o contexto mais amplo das relações sociais que dão forma à produção e ao consumo da experiencia turística (Debbace; Ioannides, 2007).

 Em termos da programação e da conceptualização turística em contextos locais, pensamos que é necessário um olhar critico e amigo do ambiente e do património, de forma a valorizar os contextos, as memórias e as formas dos lugares. Evitando destruições gratuitas, vandalismos criteriosos e justificados pela tecnicidade do conhecimento híper-racionalista ao serviço das modas efémeras e dos mercados selvagens. Evitando as construções ex novas, deslocalizadas, com escalas que esmagam os lugares e criam situações de grande conflitualidade estética, formal e ambiental. Consequentemente, deparamo-nos com uma perda de qualidade social e ambiental destes sítios. É urgente implementar modelos e programas de escala sustentável e ecologicamente amigos das pessoas e das naturezas.

Sobre esta problemática vale apena questionar a partir de alguns conceitos como os de lugar, não-lugar, território, fronteira, limite, globalização, uniformização dos lugares turísticos. A nossa reflexão aponta para uma simplificação do lugar turístico, produto de um  modelo hegemónico de fazer programação turística em contextos de elevada sensibilidade ambiental e cultural. A promoção de lugares e a sua respectiva representação está condicionada pela comercialização turística, isto é, os turistas visitam, consomem, e representam paisagens, lugares e culturas que foram elas também produzidas, apresentadas, e representadas através da dita comercialização do turismo.

A relação entre residentes, visitantes e turistas, que participam na construção das paisagens e dos seus lugares é muito comum nos dias de hoje. Como consequência, é normal ver discursos recentes sobre turismo, a salientarem a interação entre turismo, paisagem, representação e estruturas sociais, experiencias e identidades. Deste modo, torna-se imperativo problematizar a promoção de destinos turísticos e de lugares turísticos, defendendo uma abordagem mais critica e histórica. Pois, a promoção de lugares é encarada quase sempre como uma atividade de marketing dececionante e superficial, embora multifacetada. Este fenómeno contribui para a produção cultural e consumo de paisagens, espaços e sítios. É impressionante o impacto negativo que o atual fenómeno produz nos lugares sujeitos a uma promoção turística e consequente implantação de equipamentos e infra-estruturas, com outra dimensão e outra escala.

Uma primeira aproximação leva-nos a entender que este impacto nos sítios turísticos, inscreve-se primeiro na organização do espaço, e isso implica em entender de que maneira as verticalidades operam no conjunto de sub-espaços, e como a superação das relações horizontais estabelecidas até então, implica uma reconfiguração espacial e ambiental do lugar. Até que ponto a configuração do lugar sofre transformações radicais que possivelmente conduzem a uma nova organização e a uma nova imagem do sitio, mais plástica, mais artificial, mais temática, isto é, a promoção de lugares, conduz a uma noção de Natureza, em função do mundo da ficção, do espetáculo, espartilhando-a num estereotipo. Segundo, Osborne (2000:115) as suas respresentações sugam a matéria histórica das coisas para as embalsamar em mitos. Como resultado dessa aprendizagem vemos pois as paisagens, não como artefactos objectivos e fixos, mas como misturas simbólicas, mutáveis e culturalmente construídas, de representação e forma física. O que as torna um artefacto susceptivel de ser integrado numa lógica turística de promoção de lugares, que passa a apresentar o mundo como uma Imagem, considerando o residente e o turísta como um espectador-viajante imaginário para um Lugar Imaginado (Morgan,2007:205 e ss.).

Neste sentido, estamos perante uma conflitualidade em virtude desta relação entre verticalidades e não-lugares, isto é, os vetores dos espaços dominantes, denominados verticalidades, produzem desordem nos subespaços em que se instalam e a ordem que criam é em seu próprio benefício. Lefebvre (1991) também trata do assunto, quando explica que o espaço dominante, o dos centros de riqueza e poder, se esforçam por moldar e condicionar os espaços dominados, os das periferias (os lugares de fora). Reduzindo as resistências e os obstáculos, através da imagem e do discurso do centro, poderoso nos meios e sedutor na imagem e no discurso que fabrica a partir do património local (ambiental e cultural). Este fenómeno é acompanhado por uma erosão acentuada de perda de identidade local e de autoridade politica porque os instrumentos de gestão e de decisão deslocam-se para o centro. A formação de novos territórios leva ao aparecimento de focos de tensão e de resistência, porque acentuou as noções de limite, de fonteira e margem.

Os limites geram fronteiras e franjas, zonas nebulosas, de transição, de disputa de diversos campos de força, onde ordens de lugares diferentes se entrecruzam, se chocam e produzem imensos ruídos. Aliás, Santos (1993) afirma que a zona de fronteira é uma zona hibrida, babélica, onde os contactos se pulverizam e se ordenam segundo micro-hierarquias pouco susceptiveis de globalização.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ESPAÇO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL





Manuel Carlos Silva (1987) num estudo sobre Camponeses nortenhos: conservadorismo ou estratégias de sobrevivência, mobilidade e resistência? , considera que existe um conjunto diversificado de elementos sócio-económicos e culturais que nos ajudam a compreender e a identificar as estruturas quotidianas do habitar em aldeias agro-pastoris. Em primeiro lugar (1.º) uma relação específica dos camponeses com a natureza e a terra; em segundo (2.º) um determinado poder de disposição sobre as condições de produção (terra, gado, águas, pastos, bosques, etc.); em terceiro lugar (3.º) o trabalho em base familiar, orientado para a reprodução simples; em quarto lugar (4.º) uma tecnologia elementar, formando como que um prolongamento da energia muscular e animal e uma divisão de trabalho rudimentar.

Homens e mulheres, constituem os principais participantes e coordenadores da força de trabalho, mas em que os velhos, as crianças e os adolescentes são indispensaveis, para além da necessária entreajuda de parentes e vizinhos, particularmente no período das sementeiras e das colheitas.

O autor salienta ainda a importância da Casa, enquanto local de conservação e de transmissão do património familiar e deste modo portadora dos direitos e deveres formais, além de constituir-se como esteio principal do processo de socialização.

A função marginal do dinheiro na troca interfamiliar, ou o seu uso como meio de transacção com agentes externos à aldeia. Na aldeia as relações são fortemente personalizadas e estruturadas em função do nome da família que cada membro carrega, positiva ou negativamente.

Sobre esta matéria, Anthony Giddens (1995) As Consequências da Modernidade, explica-nos que na maioria das culturas pré-modernas, mesmo nas grandes civilizações, os homens viam-se geralmente como um prolongamento da Natureza. As suas vidas dependiam dos humores e caprichos da Natureza - da disponibilidade de fontes naturais de alimento, do florescimento, ou não, das colheitas, da pastorícia e do impacte das catástrofes naturais (1995:49 e ss.).

A organização do espaço rural em torno de um lugar (pequeno povoado/aldeia), a partir da qual se estruturam todas as leis sociais, as normas de vida e de organização social e económica. A comunidade de vizinhos estabelece entre si e de acordo comum, uma complexa rede de princípios morais e ético-religiosos, a partir dos quais se constrói a sua arquitectura identitária como povo singular e diferenciado(Fernando Matos Rodrigues, 1997:57 e ss.).

Casamento, herança, nascimento configuram-se nesta complexa e sui generis malha social e patrimonial. Ditando as suas regras e definindo a seu pathos colectivo.

Estas comunidades de camponeses organizam e estruturam a sua pequena sociedade em função de uma concepção social orgânica e funcionalista, tendo na tradição oral e nos costumes os seus suportes. Este fenómeno esta perfeitamente registado na partilha das águas para a rega dos campos e das culturas agrícolas, no uso dos moinhos ou eiras de consortes, dos terrenos baldios/maninhos,etc.

O lugar no espaço rural caracteriza-se pela persistência de uma economia doméstica de subsistência, com fortes ligações à natureza física e geológica do território - a sua estrutura ecológica. Esta realidade ecológica Pina Cabral considera que o mundo das aldeias deverá ser comparado com o mundo das freguezias da zona costeira norte, onde a unidade vicinal mais imediata não é a aldeia mas o lugar - uma associação, mais ou menos dispersa, especialmente das casas que vivem numa porção determinada do território da freguesia. O habitat disperso do Noroeste rural está associado a uma noção da relação da casa com as suas casas vizinhas que a trata como um microcosmos, insistindo fortemente sobre o seu isolamento (1991:106 e ss.).

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Invocação a uma Ruralidade

Este blog "currodavila" pretende ser um espaço de reflexão antropológica sobre os "espaços e as identidades numa ruralidade difusa, deslocalizada", típicas de um tempo e de um modo, onde a globalização se torna cada vez mais uma realidade, que afecta e influencia os espaços locais de matriz rural ou ruralizante.  Este conceito/termo de ruralidade, aplicado a um tempo excessivamente globalizado e para alguns já glocalizado, transformou-se num espaço onde as matrizes originais, próprias de um espaço rural, fechado, auto-suficiente, independente na forma e no verbo, já não fazem parte da nossa realidade pós-contemporânea.


Esta nossa visita ao "Espaço Rural",  ou ao que dele ainda resiste, ao fim de algumas décadas após a publicação da nossa revista "RURALIA"(1987-1995), é uma forma de repensar todo o espaço rural, a partir de um enquadramento epistemológico diferente e perante um paradigma ou modelo em transformação. Sem descurar a actualidade, os seus problemas, que também estiveram na origem do aparecimento desta revista transversal e pós-moderna ao estudo da ruralidade, de forma a compreender para transformar.


Vamos também editar alguns textos que já foram publicados em revistas e livros da nossa autoria, sobre a ruralidade, mais propriamente sobre os temas do espaço, da sociedade, dos poderes, do ordenamento do território, do património e do ambiente. Alguns, serão resumos de conferencias realizadas em congressos, seminários, e jornadas de âmbito cientifico em Portugal e no Estrangeiro.Outros serão resumos das minhas aulas de seminários em Cursos de Pós-Graduação em Universidades Portuguesas e Estrangeiras.


O nosso motivo prende-se com a actual situação de crise económica e financeira que o nosso país vive, a qual não deixara de ter repercussões nas mentalidades e na psicologia colectiva do povo português em geral e no espaço rural em particular. Perante, uma nova onda de pessimismo, de desalento, de abandono destas terras fundas e suculentas em património, em memória e cultura.


Dá-me a entender, que o espaço rural passa por uma profunda crise social, económica que se repercute em todas as estruturas que estruturam a pequena e frágil sociedade rural, localizada e globalizada. Sem duvida, um espaço que sofre as consequências de uma globalização selvagem no modo e na a acção, mas da qual pouco ou muito pouco tem recebido.

O envelhecimento da população, a migração das populações mais jovens, a deslocalização de vários equipamentos (sociais, educativos, económicos, etc.), o empobrecimento da estrutura ambiental e territorial, com uma perda acentuada da biodiversidade, da paisagem, e das memórias de matriz local. Fundamentais a um desenvolvimento sustentado ou sustentável, fundamental para a qualidade de vida e para a coesão social, numa perspectiva inter-geracional.

Que registos, que fenómenos de resistência ainda se podem observar num espaço cada vez mais difuso, subjectivo, polissémico no verbo e substantivo na forma. Contaminado por um conjunto diversificado de fenómenos globalizados e estranhos, que conflituam com a natureza do espaço rural, ou daquilo que ainda vai resistindo.

As culturas tradicionais estão contaminadas por toques de pseudo-modernidade, alteradas na sua função e no seu ethos, agoniam perante um tempo rápido e efémero. Homens, mulheres, velhos e crianças perdidos nesta grande galáxia de consumo, trocam a sua alma pelo cintilante dos bronzes da Europa. Renegando a sua existência, e partilhando um universo de próteses consumistas. O conhecimento, a ciência, a criatividade, a inovação, a tecnologia não fazem parte deste mundo rural que se queria contemporâneo e cosmopolita.